Nobel de Química 2021 vai para desenvolvimento de organocatálise assimétrica
Para o trabalho de Alfred Nobel, inventor da dinamite e responsável pelo desenvolvimento de borracha e couro sintéticos, a química era a ciência de maior importância. O inventor registrou 355 patentes em seus 63 anos de vida.
O Nobel de Química de 2021 foi para Benjamin List, do Instituto Max-Planck, na Alemanha, e para David MacMillan, da Universidade de Princeton, nos EUA, pelo desenvolvimento de uma ferramenta engenhosa e poderosa para construção de moléculas orgânicas, conhecida como organocatálise assimétrica. Os pesquisadores premiados dividirão o prêmio de 10 milhões de coroas suecas, o equivalente a cerca de R$ 6,3 milhões. Além disso, cada um deles recebe uma medalha, com a face de Nobel, e um diploma. A técnica desenvolvida, no início dos anos 2000, pelos pesquisadores tem impacto na pesquisa farmacêutica e fez a química mais ambientalmente amigável. Até as pesquisas independentes dos dois cientistas, acreditava-se que existiam somente dois tipos de catalisadores —substâncias que, basicamente, ajudam a controlar e acelerar processos químicos: metais, os quais muitas vezes eram metais pesados, o que consequentemente pode ser prejudicial à natureza, e enzimas. List e MacMillan, então, desenvolveram a organocatálise assimétrica, com base em pequenas moléculas. Segundo List, há cerca de 20 anos, os catalisadores eram cerca de 1 milhão de vezes menos eficientes.
O pesquisador afirmou, durante o anúncio do prêmio, que a verdadeira revolução do que ele e MacMillan desenvolveram são atuais catalisadores orgânicos extremamente reativos, que possibilitam um alcance que não seria possível com enzimas ou metais. "Eu sentia que eu era o único trabalhando nisso. Não sabia que havia outros estudando. Quando eu fiz esse experimento, eu não sabia o que iria acontecer e pensei que poderia ser uma ideia estúpida. Quando eu vi que funcionou, eu senti que poderia ser algo importante", diz o pesquisador do Max-Planck. A construção de moléculas por humanos é uma espécie de brincadeira de montar blocos, algo como Lego ou o jogo Minecraft. E, para isso, são necessárias reações potentes e uma metodologia adequada —especificamente o que foi premiado, este ano. Graças às pesquisas dos cientistas premiados, moléculas relativamente simples conseguem ajudar a evitar perdas em processos industriais químicos, algo que era muito comum antes, com a necessidade constante de isolar e purificar produtos intermediários de reações.
AS PESQUISAS PREMIADAS
Bem antes dos anos 2000, já havia relatos —o primeiro deles em 1912— do uso de catalisores orgânicos, mas nunca de forma a demonstrar o desenvolvimento de uma metodologia na utilização. List já tinha um histórico de trabalho com catalisores, ou seja, o pesquisador já era familiarizado com o funcionamento de enzimas: geralmente, grandes moléculas feitas de centenas de aminoácidos. Isso levou o pesquisador a se questionar se um único aminoácido ou outra molécula poderia servir de catalisador. Em 2000, List e sua equipe trabalharam no que é chamado de reação aldólica, no qual duas moléculas são fundidas com uma ligação entre carbonos. Os cientistas conseguiram mostrar que o aminoácido prolina era capaz de catalisar essa ligação entre carbonos de diferentes moléculas. Além disso, a pesquisa da equipe de List mostrou que a prolina gerava uma catálise assimétrica que resultava em dois produtos "espelhados" possíveis —os isômeros—, mas com um deles deforma muito mais comum do que o outro. Durante a construção química, não é incomum se deparar com moléculas que são "espelhos" umas das outras. A substância limoneno, por exemplo, pode apresentar cheiro de laranja ou de limão. MacMillan, por sua vez, praticamente ao mesmo tempo que List, trabalhava com catálises assimétricas com metais —usados como catalisadores pela capacidade de acomodar, temporariamente elétrons—, algo raro de ser usado industrialmente, pela sensibilidade à umidade e presença de oxigênio no processo.
O pesquisador americano teorizou que, para uma molécula orgânica servir de calisadora, ela teria que ser capaz de formar íons iminílio, ou seja, seria necessária a presença de um átomo de nitrogênio, que tem afinidade natural por elétrons. A equipe de MacMillan, então, concentrou atenção nessas moléculas orgânicas com maior potencial de sucesso e as aplicaram na reação de Diels-Alder, usada, em termos gerais, para construção de anéis de carbono —atómo essencial nas construções orgânicas. Resultado: catálises assimétricas bem sucedidas. A pesquisa alcançou um fim positivo também na separação dos isômeros, com mais de 90% de produção de somente uma das duas imagens espelhadas possíveis. Foi então que MacMillan resolveu nomear o processo desenvolvido. Surgia a organocatálise.
COMO É ESCOLHIDO O GANHADOR DO NOBEL
A tradicional premiação do Nobel teve início com a morte do químico sueco Alfred Nobel (1833-1896). Em 1895, em seu último testamento, Nobel registrou que sua fortuna deveria ser destinada para a construção de um prêmio —o que foi recebido por sua família com contestação. O primeiro prêmio só foi dado em 1901. Para o trabalho de Nobel, inventor da dinamite e responsável pelo desenvolvimento de borracha e couro sintéticos, a química era a ciência de maior importância. Nobel registrou 355 patentes em seus 63 anos de vida. O processo de escolha do vencedor da área de química começa no ano anterior à premiação. Em setembro, o Comitê do Nobel de Química manda convites (cerca de 3.000) para a indicação de nomes que merecem a homenagem. As respostas são enviadas até o dia 31 de janeiro. Podem indicar nomes os membros da Academia Real Sueca de Ciências; membros do Comitê do Nobel de Química e de Física; ganhadores do Nobel de Física e de Química; professores de química em universidades e institutos de tecnologia da Suécia, Dinamarca, Finlândia, Islândia e Noruega, e do Instituto Karolinska, em Estocolmo; professores em cargos semelhantes em pelo menos outras seis (mas normalmente em centenas de) universidades escolhidas pela Academia de Ciências, com o objetivo de assegurar a distribuição adequada pelos continentes e áreas de conhecimento; e outros cientistas que a Academia entenda adequados para receber os convites. Autoindicações não são aceitas. Começa então um processo de análise das centenas de nomes apontados, com consulta a especialistas e o desenvolvimento de relatórios, a fim de afunilar a seleção. Finalmente, em outubro, a Academia, por votação majoritária, decide quem receberá o reconhecimento.
HISTÓRICO RECENTE DO NOBEL DE QUÍMICA
Em 2020, o Nobel de Química teve uma premiação 100% feminina, com láureas para Emmanuelle Charpentier, do Instituto Max Planck (Alemanha), e Jennifer Doudna, da Universidade da Califórnia, em Berkeley (EUA). As pesquisadoras foram importantes para abrir a porta para a possibilidade de reescrever o código da vida com edição genética. Se você estiver pensando que essa descrição é muito semelhante à técnica Crispr-Cas9, então você acertou —trata-se exatamente disso. Somente sete mulheres ganharam o reconhecimento até agora, entre 186 premiados na história. Já em 2019, o desenvolvimento de baterias de íons de lítio rendeu a John B. Goodenough, M. Stanley Whittingham e Akira Yoshino o Nobel da área. Por levar a evolução para tubos de ensaio, em 2018, o Nobel de Química ficou com Frances H. Arnold, dos EUA, George P. Smith, também dos EUA, e Gregory P. Winter, do Reino Unido. Em 2017, pesquisas de criomicroscopia eletrônica, processo pelo qual é possível congelar moléculas em meio a processos bioquímicos —como em uma fotografia da vida—, foram lembradas pelo Nobel. Os laureados foram Jacques Dubochet, da Universidade de Lausanne, Joachim Frank, da Universidade Columbia e Richard Henderson, da Universidade de Cambridge. Entre as pesquisas já premiadas ao longo da história estão ainda a descoberta e o trabalho com os elementos químicos rádio e polônio (Marie Curie, 1911) e a pesquisa sobre ligações químicas (Linus Pauling, 1954).
Fonte: Folha de S. Paulo
Imagem: Galileu